Os métodos de conservação de alimentos ao longo da história da alimentação da humanidade acompanharam e permitiram o desenvolvimento do homem. Foi devido ao desenvolvimento da preservação dos alimentos ao longo da história que o homem atingiu o nível tecnológico de hoje, avalia o Publisher de três mídias do setor, Antonio Carlos De Faria. “A humanidade chegou até aqui devido ao processamento de alimentos. A primeira necessidade do homem foi a de se alimentar e por isso procurou meios de prolongar a vida útil dos alimentos”, analisa. “Hoje, a indústria de alimentos recorre a todos os meios tecnológicos para facilitar a vida do homem”, conclui.
A história demonstra: mesmo antes de adquirir o controle da agricultura e da criação de animais para consumo, o homem esteve preocupado em manter reservas de carne de caça e de vegetais coletados para sua sobrevivência.
A natureza – como o ciclo anual da mudança de estações e as oscilações que definem períodos de escassez e fartura – e hábitos culturais – como o nomadismo – são alguns dos fatores que definiram a necessidade de se preservar alimentos pelo maior tempo possível.
A partir de experiências no dia-a-dia, o homem pré-histórico foi descobrindo os meios para conservar seu sustento e garantir a sobrevivência. O calor do sol, fogo e gelo, elementos encontrados na natureza, foram aos recursos primitivos dos quais lançou mão. Esses elementos é que ofereceram as pistas para o futuro da preservação. Na era moderna, a ultrapasteurização e a liofilização, métodos tecnologicamente avançados e supereficientes para a conservação de alimentos, são baseados nos mesmos princípios do uso do calor e do frio para a conservação.
Outras maneiras de conservar comidas foram utilizadas, como o preparo das conservas por meio da adição de conservantes naturais, como mosto, mel, vinagre, óleos e gordura animal.
O domínio do fogo
Um dos momentos cruciais na evolução do conhecimento do homem foi o controle do fogo durante o período Paleolítico, também conhecido como Idade da Pedra Lascada. Essa era, iniciada há cerca de 2,5 milhões de anos e terminada há 10 mil anos, viu o surgimento do Homo sapiens, origem do homem moderno.
Não se sabe exatamente quando os precursores do Homo sapiens deixaram de consumir apenas alimentos frescos que caçava e coletava. Descobertas arqueológicas em cavernas da China fazem supor que o homem de Pequim, entre 250 mil e 500 mil anos atrás, já utilizava o fogo para se aquecer e cozinhar carnes e vegetais crus. Esses são os primeiros sinais de que o homem procurava modificar os alimentos que consumia.
No entanto, em grande parte do mundo préhistórico, supõe-se que só a partir do período Neolítico ou Idade da Pedra Polida, o homem começou a usar regularmente o fogo para o cozer alimentos. Ao perceber que, cozidos, carnes e vegetais duravam mais tempo, passou a usar o processo também para conservá-los.
Fogo e fumaça
A defumação pela exposição das carnes e peixes à fumaça resultante da queima de madeira e carvão faz a desidratação, formando uma capa protetora para durar mais.
Obras literárias da Grécia clássica fazem referências a embutidos, presunto e toucinho. Na comédia Os Cavaleiros, de Aristófanes, um dos personagens é o chouriceiro Agorácito, que em cena carrega um tabuleiro com embutidos. Posteriormente, na era do Império Romano, se instituiu a matança de animais, separando-a do sacrifício por motivos religiosos, criando-se o ofício de açougueiro, que mata animais para vender a carne. Nessa época eram muito apreciados os “botulus”, salsichas preparadas com carne e tripas suínas. Os romanos os serviam aos escravos que trabalhavam em obras distantes de Roma, devido à facilidade de conservação. Está aí a origem dos embutidos.
Na Europa, a partir da Idade Média, criou-se o hábito de comer carne de porco no fi nal do ano, tradição que permaneceu por séculos e se estendeu a outros continentes. Com o inverno, a escassez de alimentos exigia que os animais, criados em volta das casas se alimentando de restos, fossem abatidos para consumo. Para conservar a carne fresca, parte era salgada, parte defumada e o restante usado no preparo de embutidos.
O livro História da Alimentação no Brasil, do pesquisador Luís da Câmara Cascudo, mostra que o colonizador verificou que os índios brasileiros empregavam uma variação da defumação para conservar carnes e peixes chamada moquém. As carnes eram colocadas em uma espécie de grelha de madeira sob a terra e, embaixo dela, faziam um buraco onde faziam um fogo brando. O moquém “fixa e conserva o sabor, eliminando o teor aquoso sem perder as características sápidas”, escreveu Cascudo.
Sal e Sol
Supõe-se que a primeira forma de salga consistia em enterrar os produtos da caça na areia da praia, para que o sal do mar penetrasse nos alimentos. Na Antiguidade, fenícios, egípcios e gregos secavam peixes para poderem transportá-los com segurança. Há cerca de 5 mil anos, os chineses usavam o mesmo método.
No entanto, a história mostra que o hábito do sal para preservar alimentos vem quase sempre combinado com a exposição ao sol. É uma das formas mais antigas utilizadas pelo homem. Pinturas rupestres do período Neolítico revelam que esse método de conservação já era conhecido na pré-história.
Na antiga Mesopotâmia, atual região do Iraque, por volta de 2000 a.C, os peixes eram dessecados e conservados em salmoura. “Essa salmoura era muitas vezes acrescida de condimentos, que servia para conservar e temperar, podendo, muitas vezes, ser diretamente degustada”, informa o professor de Antropologia e História, José Manuel de Sacadura Rocha, no artigo Civilização e Culinária, no site Gastronomia & Negócios.
Protagonista de receitas de diversos países, o bacalhau é um caso famoso de ingrediente que teve origem na necessidade de conservação de alimentos, em uma época em que o uso da salga era um dos poucos recursos conhecidos para esse fim. De acordo com o site O Mundo do Bacalhau, existiam fábricas de processamento do bacalhau já no século IX na Islândia e Noruega, sendo os vikings considerados os primeiros consumidores do pescado, farto nos mares por onde navegavam. Naquela época, o peixe era apenas seco ao ar livre, até que perdesse a quinta parte do seu peso e adquirisse rigidez semelhante à da madeira. Assim, podia ser transportado em navios durante as longas viagens que os guerreiros nórdicos empreendiam.
O site oficial da Noruega no Brasil credita aos bascos, habitantes de região localizada entre as atuais França e Espanha, o pioneirismo na comercialização do bacalhau, a partir do início do século XI. Esse povo salgava o pescado para aumentar sua durabilidade. Os portugueses incluíam o bacalhau entre as provisões de seus navios para as longas viagens marítimas que começaram a empreender a partir do século XV. Com a descoberta e colonização do Brasil, trouxeram para a mesa do brasileiro o hábito de consumir o pescado.
O Brasil tem, porém, outros produtos preparados a partir da salga — carne-seca, carne-de-sol e charque, que fizeram parte da alimentação de bandeirantes e tropeiros e são consumidos até hoje em todo o país. Feitos de carne bovina, são diferentes na forma como são produzidos. A carne-de-sol, depois de salgada é colocada para secar em locais cobertos e bem ventilados e depende de clima muito seco, sendo por isso mais comum no semi-árido do Nordeste. A carne-seca, também chamada de carne-do-sertão e jabá, recebe uma porção maior de sal e após um período em descanso, é pendurada em varal para que a desidratação seja completada. Da mesma forma, o charque, originário do sul do país, é semelhante à carne-seca e segue o mesmo tipo de processamento, com a diferença de que recebe uma porção maior de sal e de exposição ao sol, o que aumenta sua durabilidade.
Gelo
A utilização de baixas temperaturas para a conservação de alimentos também se perde na história. Assim como no caso do uso do fogo, foi no período Neolítico que o homem descobriu suas propriedades — a carne de caça e os vegetais guardados em locais frios conservavam-se por mais tempo. Por isso, o homem pré-histórico depositava seus alimentos nas partes mais escuras e frescas das cavernas. Há cerca de 4 mil anos, os chineses já utilizavam o gelo para conservar peixes.
No começo dos anos 1800, o congelamento já era tido como uma forma eficiente para a preservação de alimentos. Os norte-americanos passaram a utilizar o método desde a segunda metade do século XIX para conservar peixes em recipientes rodeados por gelo e sal. A partir do começo dos anos 1900, já congelavam ovos e frutas; verduras, sucos concentrados e alimentos cozidos e pratos prontos, só na segunda metade do século XX. As primeiras máquinas de refrigeração à base de amônia, destinadas primeiramente a armazenar peixes, foram fabricadas por volta de 1880.
Lata
Uma das maiores revoluções na conserva de alimentos se deu durante o século XVIII, com o método descoberto pelo francês Nicolas Appert. De uma família de taverneiros, Appert aprendeu no albergue de seus pais os serviços da cozinha. Foi cozinheiro, doceiro e preparador de vinhos. Preso durante a Revolução Francesa, Appert buscou uma forma inovadora para produzir conservas. Suas experiências duraram 15 anos e ele concluiu que deveria usar dois princípios o aquecimento e a ausência de ar.
Para isso mantinha os alimentos em recipiente hermeticamente fechado e aplicava calor imergindo o recepiente em água quente por um determinado tempo. Para isso, utilizou primeiramente garrafas de champanhe e, mais tarde, latas de ferro. Appert fez também experiências com a máquina a vapor, uma primitiva autoclave semelhante à panela de pressão, conseguindo assim que o cozimento ultrapassasse a temperatura de ebulição da água. Em 1802, ele abriu uma fábrica de conservas para suprir a armada francesa. Oito anos depois, Peter Durand recebeu da corte inglesa a patente do processo. Em 1812, a empresa londrina Donkin, Hall and Gamble adquiriu a patente de Durand e fundou a primeira fábrica de conservas para o mercado consumidor. As latas de ferro estanhado a partir de 1818 transformaram definitivamente a forma de embalar alimentos.
Com o tempo, as latas se espalharam para a Europa, em 1830, com tomates, ervilhas, sardinhas. O sucesso demorou porque as latas produzidas artesanalmente eram caras. Nos Estados Unidos, somente a partir de 1860 as latas foram aprovadas. Em 1857, foi aberta em Nova York a primeira fábrica de leite condensado enlatado. Em 1868 surgiu a de P.D. Armour para abastecer os mineiros da “Corrida do Ouro” da Califórnia.
Pasteurização
A pasteurização resolveu a fermentação do vinho e depois foi usada na cerveja.
Um dos processos mais utilizados hoje em dia para a conservação de alimentos se deve às descobertas de Louis Pasteur. Até então Appert acreditava que a conservação se dava apenas porque os recipientes isolavam os produtos do ar, que seria a única fonte de contaminação. Pasteur provou que não era bem assim. O cientista francês fora chamado para resolver o problema da rápida fermentação de vinhos, que vinha prejudicando a indústria vinícola da França. Após experiências, Pasteur descobriu que a acidificação do vinho era causada pela presença de microorganismos presentes na própria bebida. Ao mesmo tempo verificou que esses microorganismos eram eliminados ao serem submetidos a uma temperatura em torno de 60ºC durante um determinado período.
O método usado no vinho foi aplicado com sucesso por Pasteur também na produção da cerveja.
No século XX foi desenvolvida a ultrapasteurização, utilizada principalmente para o tratamento de leite. Por esse processo, o leite é submetido a temperaturas entre 140ºC e 150ºC por 2 a 4 segundos e imediatamente resfriado para temperatura inferior a 32ºC. O leite é então acondicionado em embalagens cartonadas ou assépticas, chamadas também de “longa vida”.
Liofilização
Liofilização ou freeze-drying consiste em retirar a água de alimentos por meio de sublimação – congelamento sob vácuo. É um dos mais modernos métodos de conservação. Requer tecnologia complexa, muitas vezes inviável economicamente. O processo tem como resultado produtos que, apesar de manterem baixíssimo nível de umidade (podem chegar a apenas 1%) e perderem porcentagem considerável de seu peso, preservam o tamanho natural. A liofi lização é considerada a forma quase perfeita para conservação.
O curioso, no entanto, é que processo com o mesmo princípio era utilizado pelos incas nos Andes peruanos para conservar seus produtos agrícolas, antes da chegada do europeu à América. Batatas e outros vegetais eram guardados em montanhas, onde o frio intenso congelava os alimentos; a baixa pressão presente em elevadas altitudes fazia com que a água evaporasse, desidratando-os.
A primeira experiência documentada com um primitivo equipamento de liofi lização data de 1905. O café inaugurou a lista de alimentos pulverizados por meio do processo. Em 1938, o governo brasileiro precisava encontrar uma solução para o excedente do café produzido no país. Experimentou o processo no produto e, a partir dessa experiência, foi desenvolvido o café solúvel Nescafé na Suíça.
Alimentos liofilizados fazem parte das refeições dos astronautas norte-americanos, desde o lançamento do projeto Mercury, no início dos anos 1960. As naves do programa Gemini levavam o mesmo tipo de alimentos, com uma maior variedade.
Do cardápio dos astronautas faziam parte sucos de laranja e de uva, nuggets de peru, creme de galinha, peru com molho, ensopado de carne bovina. Nas naves espaciais as comidas eram re-hidratadas com uma bisnaga de água.
Ao longo do tempo, a alimentação dos astronautas manteve-se baseada na liofi lização, com maior variedade de opções, já que as viagens se tornaram cada vez mais longas, como as missões na International Space Station (ISS), que duraram alguns meses.
Do pós guerra ao século XXI muitas mudanças ocorreram no hábito alimentar do brasileiro
No final da II Guerra Mundial, os refugiados que se encontravam concentrados nos países industrializados da Europa tinham como preocupação essencial a reconstrução pós-guerra. Esse processo, apoiado por iniciativas como o Plano Marshall, originou um crescimento econômico forte e sustentado, trazendo um vasto conjunto de benefícios a pessoas que tinham sofrido as anteriores privações da guerra e da recessão econômica.
O rápido crescimento da economia mundial permitiu a uma grande porcentagem da população européia refugiada iniciar uma nova vida em países como os Estados Unidos, Canadá, Austrália e Israel, locais com carência existente no mercado de trabalho, o que contribuiu para a prosperidade dessas sociedades. Foi nesse período que começaram a surgir os primeiros alimentos industrializados, permitindo à industria alimentícia ampliar a sua área de atuação.
No período de ascensão econômica do pós-guerra até a década de 1970, o alimento industrializado se consolidou, com forte influência americana sobre os produtos. No período, entrou em cena a “geração coca-cola”. Se as primeiras necessidades da humanidade estavam centradas na busca do alimento e na proteção contra os predadores, as necessidades dessa geração eram muito diferentes. A exigência estava naquilo que desse prazer, mas, não necessariamente, fosse indispensável. O advento da industrialização e da produção de massa possibilitou – e ao mesmo tempo exigiu, para sua continuidade – a formação de um mercado consumidor capaz de absorver a produção crescente de serviços e produtos que eram, talvez, desnecessários à sobrevivência biológica das pessoas.
No cenário industrial da década de 80, surgiram os primeiros produtos enriquecidos com vitaminas e sais minerais, inicialmente, produzidos exclusivamente ao público infanto-juvenil. No entanto, com a adesão do conceito pela população, começaram a surgir produtos também destinados à população adulta.
Mas não parou por aí. A partir dos anos 90, os alimentos passaram a ser vistos como sinônimos de bem-estar, redução de riscos de doenças e como veículos de uma melhor qualidade de vida para a população. O culto pela boa forma estava no auge e, com ele, a valorização da cozinha saudável. Assim, surgiram os produtos diet, mais indicado para diabéticos, e light, que apresentavam menos calorias sem prejuízo do sabor.
Nesse sentido, a preocupação com a saúde se tornou a tônica do século XXI. Estudos comprovaram a relação entre alimentação, saúde e doença. Foram descobertas novas funções para os nutrientes e identificadas novas substâncias capazes de exercer ações específicas no metabolismo humano. O setores público, produtivo e a mídia começaram a estimular o hábito de uma alimentação saudável e a prática de atividades físicas. Até chegar ao cenário atual: a luta mundial por hábitos saudáveis de vida.
Fontes: A História da Conservação dos Alimentos, de Izildinha Botelho – site: Sociedade Digital • A Pesquisa em Alimentos da Pré-história à Contemporaneidade – Julio Alberto Nitzke – site: Universidade Federal do Rio Grande do Sul • Alimentação e Nutrição no Espaço – site: Associação Aeroespacial Brasileira • Charque, Carne-de-sol e Carne-seca, de Licínia Campos – Site: SIC – Serviço de Informação da Carne • Civilização e Culinária – de José Manuel de Sacadura Rocha – site: Gastronomia & Negócios • Freeze-Drying & Freeze-Dried Food, de Mary Bellis – site: About.com • História da Alimentação no Brasil – Luis da Câmara Cascudo – Editora da Universidade de São Paulo • História da Conservação dos Alimentos – site: Correio Gourmand • História das Conservas, de Virgínia Brandão- site: Correio Gourmand • Prehistoric Food Processing Techniques – Discussion On The Origin Of Grinding Tools, Mortar And Pestle, de Zhao Lin Sung – Chinese Historical Museum Agricultural Archaeology, Vol. 3, No. 47, 1997 – site: http://http-server.carleton.ca ~bgordon/Rice/papers/sung_nd.htm • Sites: NASA – National Aeronautics and Space Administration;O Mundo do Bacalhau; Sabor atesano.com; Sangari do Brasil; Scripophily.com.,Tetrapak e Divulgação/ Nasa WIKPED.